CURADORIA #05 - Sobre a supervisão
(os temores, os atropelos e os riscos de um espaço de supervisão que não facilite o processo de construção e amadurecimento do analista)
Dia desses, uma supervisionanda dividiu comigo uma apreensão antes da supervisão: estava extremamente ansiosa e insegura para apresentar o caso. Estava insegura ao dividir sua prática profissional: Temia que viessem críticas e questionamentos sobre sua atuação e manejo!
Após conversarmos, relatou a experiência (traumática!) com a antiga supervisora que, em meio à críticas, à apontamentos descuidados, chegou ao cúmulo de lhe dizer que a analista em questão talvez “não servisse para a prática clínica”.
A fala, violenta, deixou marcas: a analista tornara-se profundamente insegura com seu fazer clínico.
A consequência foi a tensão e o temor constantes em nossos encontros. A sensação corporal de que a violência se repetiria. O medo de ser novamente desqualificada e desvalorizada.
(Precisaremos de tempo, e muito contato juntas, para que essa experiência seja superada e a analista possa experimentar um estado mais tranquilo nas supervisões)
Apesar do absurdo do relato, sabemos que histórias assim não são raras em nosso meio. A imagem de um supervisor duro, seco, inacessível reproduz a mesma imagem do analista lacônico a que estamos tão familiarizados.
Estereótipos como esse expõem a ideia de que para uma análise ser bem sucedida (e porque não, para uma supervisão também) é importante a distancia, a neutralidade, a impessoalidade, o uso de interpretações e intervenções certeiras e afiadas. Nesse contexto, a angústia aparece como afeto importante, compreendida como motor para o desenvolvimento do clínico que encara (e enfrenta) seus limites e falhas.
É claro que, parte de um processo de supervisão (assim como de uma análise) compreende o enfrentamento do angústias de incômodos.
Além disso, toda supervisão é, por si só, um momento de profunda exposição afinal, nos revelamos pelo modo que cuidamos. Através dos gestos, das intervenções e manejos revelamos não apenas nosso alcance teórico e a compreensão que temos da teoria; revelamos também o nosso jeito de ser, a nossa pessoalidade, acompanhados de todos os atravessamentos de nossa própria história de vida.
Assim, se por um lado é imprescindível que estejamos acompanhados por um supervisor capaz de nos comunicar nossos pontos cegos, de oferecer chaves de leitura, e ampliar a compreensão teórico-clínica, é também importante que toda comunicação seja feita de forma cuidadosa.
(Sabemos bem que mais do que o conteúdo comunicado é a forma, o momento em que ela é feita que impactará na maior ou menor resistência do paciente e - por que não - na resistência do supervisionando).
É importante que o encontro com o supervisor seja disparador de reflexões, que suas intervenções sirvam como convite para o analista buscar o aprimoramento teórico e não que elas se tornem empecilhos para o desenvolvimento do clínico.
Nesse sentido, parece haver, entre a escolha do analista e do supervisor, uma certa proximidade. Afinal, se nós analistas reconhecemos a importância, para uma análise de um ambiente suficientemente bom; se reconhecemos a importância de um analista cuidadoso, capaz de esperar (para que as interpretações sejam criadas pelo próprio paciente) não seria importante utilizamos esses mesmos critérios balizadores quando pensamos na escolha de um supervisor? Não seria importante considerarmos essas como condições também fundamentais para a construção de um espaço de supervisão?
Não seria o supervisor ambiente facilitador capaz de favorecer (ou não) o processo de amadurecimento e construção de um clínico?
Por isso, esperamos que entre supervisor e supervisionando estabeleça-se uma relação de confiança, ambiente favorável para amadurecimento do clínico onde caibam dúvidas, questões e dificuldades, sem julgamento.
Por isso, almejamos rigor teórico e técnico mas não apenas!
Esperamos, que esse ambiente favorável seja capaz de sustentar a criatividade do supervisionando, favorecendo assim a construção de um estilo próprio e pessoal!
Esperamos que a supervisão funcione como espaço de articulação teórico-prática e favoreça a integração da teoria, não apenas como produto intelectual e racional, mas principalmente como experiência viva e potente!
Confissões da analista: a minha (quase) primeira analista
Me preparando para uma supervisão, dia desses, me lembrei da minha “quase-primeira supervisora”. A história foi mais ou menos assim:
Eu tinha acabado de me formar e procurava alguém para pensar comigo os casos. Procurei então, a professora da universidade - alguém com quem havia tido boas experiências nas disciplinas.
Cheguei ao consultório dela, ambiente à meia luz, estante cheia de livros.
A conversa correu bem - apesar da insegurança própria dos iniciantes, apesar da professora monossilábica. Me senti um tanto desconfortável mas acreditei que era parte do estilo psicanalítico de poucas palavras.
Ao final da conversa, combinei de lhe dar um retorno sobre a frequência dos encontros - era necessário fazer as contas (coisa de iniciante!).
Então me levantei da cadeira, me despedi e fui em direção à porta da saída. Foi quando a professora soltou a pérola:
- Eu sei que você não quer ir embora, mas a sua chave está ficando no sofá!
Naquele momento me dei conta que a danada da chave ficou mesmo fora da bolsa e escorregou entre as almofada. No entanto, diante das pouquíssimas falas da professora aquela intervenção caiu mal.
A interpretação caiu mal porque não havia, ainda, intimidade que sustentasse uma fala daquela natureza.
Pensando hoje, acho que é provável que eu não quisesse mesmo ir embora. Iniciar a clínica foi algo difícil por aqui. Buscar apoio na supervisão foi uma tentativa de encontrar companhia para essa caminhada tão solitária que é a clínica. Talvez eu não quisesse ir embora porque eu precisava de companhia!
Entendi, naquele momento, que havia uma versão do “analista-esperto” em alguns supervisores, um tipo apressado que não aguarda o tempo da intervenção e não perde a chance de interpretar e mostrar serviço.
Entendi que não era daquela professora brilhante que eu precisava e por sorte, ela acabou, cedo o suficiente, tornando-se apenas a minha “quase-primeira supervisora” e me ensinou o que não fazer quando fosse eu, a escolhida para ouvir os casos de meus colegas!
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Confiabilidade, ambiente seguro, sustentação para o gesto: condições importantes para uma boa supervisão!
O estilo do analista
- Que história é essa que há estilo de atender, de cuidar, de ser?
- Pois eh, mas há! E trate logo de se aprumar e encontrar o seu! Se prepare porque a construção leva tempo e surge da prática clínica, no encontro repetido com seus pacientes e com você mesmo!
Nada de ficar repetindo os clichês, os trejeitos. Você vai perder tempo tentando ser o que não é.
Se permita uma clínica mais autêntica, tome as teorias para si e conte com boas companhias: uma boa análise que te permita se apropriar de si; uma boa supervisão que o ajude a lapidar a escuta sem obscurecer o seu próprio olhar; e um estudo cuidadoso que te permita ser leitor ativo e não exija submissão às ideias, às teorias como dogmas inquestionáveis.
De vez em quando, no meio desse processo, você vai se flagrar com gestos e falas familiares, do antigo analista, do supervisor ou de um professor querido.
Não se preocupe, nem com o purismo nem com a busca implacável pela originalidade. No fundo o nosso estilo é fruto das amarrações das experiências vividas, do somatório dos cuidados que recebemos e incorporamos.
O estilo de cada analista é a sua pessoalidade na máxima potência e vigor!
Dica de Leitura
O candidato deve sentir que é absolvido dos graves erros de seu trabalho caso siga os conselhos de seu supervisor sem questioná- los e demonstre ao supervisor que fez o tipo de interpretação que ele entendeu que o supervisor teria feito naquelas circunstâncias. Este desenvolvimento prevenirá o perigoso processo pelo qual o candidato poderia integrar para si mesmo uma teoria ou um enfoque pessoal da técnica por ele mesmo desenvolvido e modificado criativamente ao testá-lo na situação do tratamento, tendo em conta o desenvolvimento autônomo de seu paciente
Se alertamos ao longo do texto sobre os riscos de uma supervisão castradora e crítica não podemos deixar de reconhecer como os espaços de formação psicanalítica por vezes reproduzem e sustentem esse tipo de prática.
O psicanalista Otto Kernberg escreveu um artigo provocativo em 1996, pouco antes de assumir a presidência da International Psychoanalitical Association (ipa). Ali o psicanalista fornece um dura crítica as espaços de formação psicanalítica que tolhem a criatividade dos candidatos. utilizando-se da ironia ele pontua os Trinta maneiras de destruir a criatividade dos candidatos à psicanálise.
Vale demais a leitura. Vale demais a denúncia. Vale demais se atentar para os valores e práticas que tem dado o tom para os espaços que escolhemos investir nossa formação.
Para ter acesso ao texto completo, clique aqui.
ATÉ A PRÓXIMA!
Espero você na próxima edição!
Tem algum dúvida teórica, questionamento, desafio clínico que te angustia? Escreve para mim e me conta um pouco mais! é só enviar um e-mail para marina.reigado@gmail.con
Quem sabe a sua questão não vira o pontapé inicial para nossa próxima troca?