CURADORIA #07 Uma analista em fim de ano
(algumas perguntinhas que não querem calar sobre o final de ano, a análise e a analista)
Férias da analista. Férias do analisando.
Experiências como essa tensionam os limites do setting. Afinal, se por um lado a analista precisa abrir espaço em si e no consultório para acolher o paciente e sua história; por outro essa abertura só é possível por meio da sustentação prática, concreta que inclui a organização financeira e o pagamento das sessões.
Por isso, a analista não faz caridade.
Por isso, precisamos receber por nosso trabalho.
Por isso, o dinheiro e o investimento na análise se constituem como elementos fundamentais para o trabalho.
O empreendedor de si mesmo: uma armadilha para a analista
O trabalho autônomo pode ser uma grande armadilha.
A ideia de ser “dono do próprio trabalho” pode ser sedutora e dar a impressão de uma certa liberdade - com os próprios horários, com a própria agenda, com as férias e recessos....
Essa aparente liberdade, no entanto, camufla uma armadilha comum aos profissionais autônomos e nos torna alvo de horários de trabalho desregulados, de uma jornada diária exaustiva que nos submete a longos períodos sem pausa e descanso. A ideia de liberdade e autonomia mostra-se, então, uma perigosa armadilha:
“O sujeito do desempenho, que se julga livre, é na verdade um servo: é um servo absoluto, na medida em que, sem um senhor, explora voluntariamente si memo” (Byung Chul-Han,2014)
A ideia do ‘empreendedor de si mesmo’, denunciada por autores como o sul coreano Byung Chul-Han, traz consigo a armadilha da auto exploração.
Dessa forma, compartilhamos a ideia de que, se somos nós que administramos o nosso tempo, então o utilizaremos de forma melhor e mais inteligente. A realidade, no entanto, mostra-se mais complexa e ardilosa:
“O neoliberalismo, como mutação do capitalismo, torna o trabalhador um empreendedor. Mão é a revolução comunista, e sim o neoliberalismo que elimina a exploração alheia da classe trabalhadora. Hoje, cada um é o trabalhador que explora a si mesmo para sua própria empresa. Cada um é senhor e servo em uma única pessoa”(Byung Chul-Han,2014)
Assim, se os profissionais assalariados contam com as leis trabalhistas que defendem direitos como as férias, a licença maternidade, o 13º salário, o INSS, o profissional autônomo precisará, ele mesmo, cuidar de administrar toda a estruturada de trabalho que vai além (muito além) do setting.
Por isso, a proximidade com o final de ano, os recessos e as festas deixam tantos analistas de cabelo em pé:
Como sobreviver às ausências tão comuns nesse final de ano? Como contemplar a pausa e as férias da analista? Como lidar com as férias quando são os pacientes que reivindicam um tempo?
Curiosamente, discutimos pouquíssimo no campo psicanalítico, qualquer tema que tangencie os aspectos mais práticos e concretos do exercício da profissão. A ausência destes temas talvez revele o quanto nos colocamos alheios e indiferentes à aspectos práticos que sustentam a função de analista.
Diante disso e reconhecendo a angíustia dos colegas, joguei na roda (leia-se caixinha do Intagram) algumas perguntas e provoquei os colegas analistas a pensarem comigo questões práticas para buscando soluções e caminhos possíveis.
Compartilho com vocês algumas respostas e reflexões que surgiram por aqui!
Quando a analista entra de férias.
A pausa exige manejo financeiro e administrativo da analista tão avessa a assuntos práticos e burocráticos
Diante disso, quais as estratégias possíveis e adotadas?
Quais os entraves, desafios que se impõem?
Alguns colegas optam por oferecer projetos pontuais, projetos de final de ano que se tornam um modo de captação de recursos e de ganho extra para sustentar os momentos de pausa e férias.
Aqueles que optam pelos pagamentos mensais definem, antecipadamente, que o paciente pague um valor único, mensal, independente do número de sessões realizadas. Compreendem que por vezes ocorrerão 04 sessões, ás vezes 05 no mês mas incluem no combinado o pagamento das ferias mesmo não havendo sessões.
O paciente aceitaria assim o “ônus” de pagar pelas férias, como contrapartida ao valor diferenciado, abaixo do valor da sessão unitária. Trocam-se assim certas “vantagens” entre analistas e pacientes.
Penso que caberiam algumas reflexões. A ideia e “pacote” pode atrelar a noção de vantagens financeiras. Quais seriam os efeitos disso na análise? O que comunicaria, o analista, a partir disso? Haveriam casos contra indicados para esse tipo de manejo? Quais seriam eles?
E há, por último, a idicação clássica: a reserva mensal.
Neste caso, a analista planeja o tempo que gostaria de se ausentar e simula os valores necessários por esse período. A partir de então arrecada, a cada mês, parte para o “fundo” das férias.
Trata-se, essa, da saída Ideal. A realidade, no entanto, pode ser um pouco mais dura.
O ideial é que os honorários da analista permitam que ela pague as contas e guarde parte para as férias, para a aposentadoria, para a reserva de emergência.
Na realidade, no entanto, é que nem sempre os ganhos mensais dão conta de sustentar todo esse investimento neceesário. Pr isso, antes de atirarmos pedra na analista ou de nos sentirmos fracassados na tarefa da administração financeira há de se pensar:
Quais as minhas condições e qual o meu contexto de vida? Qual o valor da minha sessão ou quanto é possível cobrar? Qual a minha rede de suporte para o exercício desse ofício autônomo? Qual o meu saber, qual a minha educação financeira?
Administrar bem os nossos honorários não é apenas mérito da analista. Isso é também efeito e fruto do seu contexto e de suas condições facilitadoras. Ignorar isso poder nos jogar num movimento de auto responsabilização, de comparação e pressão que não me parece justo.
A verdade é que a estabilidade na clínica pode ser facilitada se tivermos o suporte financeiro para aguardar os entraves e as oscilações no começo da clínica.
Pode ser mais fácil manter combinados firmes se não dependermos do pagamento do paciente para pagar a conta de luz no final do mês; e é provável que eu consiga guardar mais dinheiro e fazer uma reserva se eu puder contar com o alguém que pague as contas de casa.
Por isso, as condições de construção da clínica são únicas e particulares e se falamos delas aqui não é para que isso se torne mais uma pressão, mas para que possamos ter no horizonte os aspectos que precisam ser pensados e cuidados por nós!
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(Uma dica de livro, pouco usual: “Finanças para autônomos”. O beabá da questão financeira que pode ajudar o analista recém formado a começar a pensar na admiração da clínica. E o melhor: está baratinho na amazon!)
E por último a pergunta ‘brinde’ que não quer calar:
Primeiro minha gente: deixemos de lado o dogmatismo, as posições defendidas com unhas e dentes e o dedo apontado em crítica para o colega ao lado e pensemos juntos: O analista pode dar lembracinha de final de ano para o paciente?
Se o gesto de presentar o paciente é algo comum entre outros profissionais do cuidado, para o analista a situação envolve avaliação mais cuidadosa.
E aqui é necessário um adendo: estamos aqui tomando a pergunta ao pé da letra, considerando portanto o analista que presenteia todos os pacientes com a mesma lembrancinha de natal.
E talvez seja importante retormar a diferença entre a “lembrancinha” e o “presente”.
Enquanto o primeiro surge como gesto geral de cuidado e atenção, o segundo aponta para um investimento maior que envolve a identificação do que faz sentido para aquele indivíduo em particular.
O adendo então parece fundamental e demarca as diferenças de sentido no gesto.
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A psicanálise pensa a relação analista e analisando a partir de conceitos muito próprios como os de transferência e contratransferência.
Isso significa dizer que o nosso trabalho se orienta a partir da relação estabelecida com cada paciente considerando as necessidades do caso e os aspectos particulares da história de vida do paciente.
Compreendemos que é nesse espaço da relação transferencial, espaço potencial construido por analista e analisando, que conteúdos anteriores podem ser atualizados, elaborados, assim como novas experiências podem ser inaguradas.
Tomamos cuidado ao considerar as particularidades de cada relação analítica. Por isso, repetimos sempre, em alto e bom som:
O trabalho do analista não é manufatura ou linha de produção. Não repetimos, de forma padronizada, o cudiado. O trabalho do analista é artesanal e construido no um a um!
Por isso, a ideia de um presente único, uma lembrancinha para todos os apcientes da clínca pode não fazer sentido. Os objetos e os gestos terão sentido particulares para cada paciente.
Sabemos, por exemplo, da dificuldade de alguns pacientes que, diante do cuidado, sentem-se em dívida conosco, ariscos à qualquer gesto mais afetivo. Nesse contexo, o presente dado pelo analista pode corroborar para um certo retraimento e pode não ter o sentido, inicialmente, imaginado pelo analista.
Por outro lado, outros pacientes poderiam se beneficiar da experiênia de serem lembrados pelo analista para além do espaço do setting e isso pode inaugurar uma comunicação não verbal importante.
Há de se considerar, ainda, que o ato de presentear o paciente configura-se como um gesto pessoal do analista que revela, por meio disso, sua presença e seu modo de ser.
Talvez não haja nada de errado em pensamos na presença da pessoalidade do analista naqueles processos analíticos onde estamos diante de pacientes que vivem momentos de maior integração, àqueles pacientes considerados neurótcos, por exemplo. Nesses casos, a pessoalidade da analista pode não ser problema, afinal esses pacientes já alcançaram a possibilidade de tomar o analista como objeto objetivamente percebido. São pacientes que já alcançaram o analista como pessoa real.
Mas e aqueles pacientes para os quais o analista é, ainda, objeto subjetivo?
A revelação da pessoalidade do analista, a concretude do gesto poderia ter efeitos prejudiciais.
Por isso, a pergunta incial retorna, não para indicar uma resposta pronta e única mas para nos lembrar da especificidade do nosso ofício e para o cuidado de tomarmos, cada paciente e cada processo, a aprtir de suas necessidades particulares.
Um adendo: um recorte clínico para pensarmos o bom uso do presente!
Safra no artigo “A vassoura e o divã” de 1996, apresenta reflexões importantes sobre o uso do objeto e dos símbolos na análise.
O autor apresenta um recorte clínico que nos faz pensar o bom uso do presente.
Apresento o caso, nas palavras do autor:
Uma senhora com idade ao redor de sessenta anos procura análise por estar deprimida e sem ânimo. Tratava-se de um estado psíquico que experimentava há muitos anos. Era de origem européia; vivera os horrores de uma guerra mundial, quando perdeu entes muito queridos. Imigrou para o Brasil, e ao longo dos anos estruturou um quadro melancólico que se cronificou.
Inicia sua análise com uma analista, estabelecendo com ela um vínculo de confiança. As sessões eram invadidas por tédio e depressão. A paciente queixava-se, dizendo sentir-se empobrecida, sem recursos para nada. A analista procurou, ao longo do processo, analisar a melancolia e os dinamismos de sua hostilidade. Com freqüência, a senhora referia-se ao passado com nostalgia, pois lhe parecia que aquela época fora mais rica e mais cheia de vitalidade. Vitalidade e riqueza que pareciam estar perdidas para sempre.
Algumas vezes, ao referir-se ao passado, lembrava de experiências que havia tido com sua mãe fazendo comidas; uma panela de cobre era o elemento que apresentava e aglutinava essas recordações.
A analista, certa, vez, viu uma panela de cobre em uma loja, e, lembrando-se claquela senhora, resolveu comprar o objeto para dá-lo à paciente em uma ocasio propícia.
Aproximou-se o dia do aniversário da paciente, sempre com as associações nostálgicas e sem vida.
Na sessão próxima ao aniversário, a analista ofereceu-lhe como presente a panela de cobre que havia adquirido. A analisanda sur-preendeu-se com o objeto, de-monstrando alegria e encantamento pelo presente recebido. O interessante é que a paciente pôde dizer: "Compreendi!"
Estabeleceu-se ali um momento de vivência estética restabelecendo a experiência de ilusão. A paciente reencontrava, através da ligação transferencial com o objeto apresentado, o seu passado, a presença afetiva de sua mãe, a sua capacidade criativa conjugada com sua feminilidade, e aspectos de sua cultura de origem.
Este foi um momento transformador dentro do processo analítico. A partir deste ponto, a paciente usou a panela para organizar jantares com os seus amigos.
No caso, o gesto de presentear o paciente contribuiu para a comunicação da analista e analisanda justamente porque a escolha do presente-objeto levou em conta os símbolos e os significados particulares daquela paciente em questão. Tornou-se, portanto, um presente único!
Ao presentear a paciente com a paenala a analista revelou a profunda compreenssão e comunicação estabelecida com sua paciente!
Qual o sentido daquele objeto para aquele paciete em particular?
Qual objeto teria para àquele apciente um sentido importante permitindo uma comunciação não verbal entre analista e analisando de forma a contribuir para o vínculo e para o processo?
Não serias essas reflexões importante antes de nos decidirmos sobre presentear ou não nossos pacientes?
Para ter acesso ao artigo, acesse aqui!
ATÉ A PRÓXIMA!
Espero você na próxima edição!
Tem algum dúvida teórica, questionamento, desafio clínico que te angustia? Escreve para mim e me conta um pouco mais! é só enviar um e-mail para marina.reigado@gmail.con
Quem sabe a sua questão não vira o pontapé inicial para nossa próxima troca?